Fenasps

quinta-feira, 20/10/2022

Leia o artigo da Assessoria Jurídica da FENASPS: “Os servidores públicos e as eleições presidenciais”

O Segundo Turno das eleições para Presidente da República não definirá apenas o candidato que governará o Brasil nos próximos 4 (quatro) anos. Ela definirá um projeto de País, ao qual estará intimamente relacionado um projeto de Estado, com importantes consequências para o funcionalismo público.

Isso atingirá a todos nós, diretamente, na medida em que se estará
definindo se o Estado continuará prestando os serviços de saúde pública pelo SUS – que se mostraram tão fundamentais para o nosso povo no período da pandemia -, ou se teremos a privatização do setor em larga escala, entregando-se a saúde do povo ao lucro dos impagáveis planos de saúde privados, como o Governo Bolsonaro já tentou fazer, sem êxito, em plena pandemia do coronavírus, conforme se extrai do Decreto nº 10.530, de 26 de outubro de 2020.

Atingirá cada um de nós, na medida em que definirá se a proteção previdenciária dos brasileiros – sejam eles trabalhadores do setor privado ou servidores públicos -, continuará sendo responsabilidade do Estado, ou se o sistema previdenciário brasileiro será totalmente entregue ao setor privado, como foi feito no Chile no início dos anos 80, e como o Governo Bolsonaro já propôs (sem sucesso) quando enviou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 6, em 2019¹.

Neste ponto é sempre importante lembrar que o “modelo chileno”, defendido pelo atual Governo, paga aposentadorias miseráveis e por tempo limitado, de modo que se o segurado viver mais tempo do que o previsto o benefício simplesmente acaba, gerando um drama pessoal e social que levou o Chile a se tornar o País com maior número de suicídios entre os idosos na América Latina.

E isso nos atingirá diretamente, alcançando nossos filhos e netos, que não terão mais nenhuma proteção estatal quando perderem a capacidade laborativa!

Atingirá o País em que vivemos, uma vez que definirá se as agências e órgãos públicos responsáveis pela vigilância e regulação de diversos setores da economia² terão suas atividades reforçadas, de modo inclusive a cumprir com convenções e acordos internacionais de que o Brasil é signatário, ou se o setor será ainda mais sucateado do que foi no primeiro mandato de Bolsonaro, permitindo e incentivando o desmatamento da Amazônia, que em 2022 atingiu seu maior número em 15 anos; o garimpo ilegal em terras indígenas, e a degradação sem precedentes do Cerrado e da Amazônia, para ficarmos apenas em alguns exemplos mais graves.

Atingirá a nós e aos nossos filhos e netos, já que definirá se o Estado continuará assegurando educação pública, desde a creche até o ensino universitário, ou se a educação voltará a ser privilégio dos ricos, inviabilizando que os filhos da classe média e da população mais pobre possam alcançar o ensino superior, como o Ministro da Educação de Bolsonaro chegou a anunciar em 2021, quando disse que as Universidades tinham mesmo que ser “para poucos”.

Destarte, quaisquer que sejam as outras áreas governamentais para as quais voltemos os nossos olhos, as indagações serão semelhantes e as respostas serão as mesmas!

Como se percebe, a escolha que faremos no próximo dia 30 de outubro definirá a minha, a sua, a nossa vida!

Vejamos então a situação envolvendo os servidores públicos federais, comparativamente com os períodos de governo de cada um dos candidatos, a partir de dados extraídos da página servidor.gov.br, mantida pelo Governo Federal na internet, a começar pela instituição de mecanismos de negociação coletiva entre o Governo e as entidades representativas desses servidores.

Com efeito, enquanto uma das primeiras medidas adotadas pelo Governo Lula logo no início do mantado (em 2003), foi a criação e instalação da Mesa Nacional de Negociação Permanente – MNNP (vide Portaria nº 1.132/2003), destinada a debater e negociar com os servidores públicos federais questões relacionadas à política salarial, direitos sindicais, direitos da Seguridade Social, papel do Estado, reestruturação dos serviços públicos e diretrizes gerais de carreira, uma das primeiras medidas adotadas pelo Governo Bolsonaro foi a extinção da Mesa, inibindo qualquer processo de negociação com os servidores públicos até o final do seu mandato.

Já no que tange à recomposição salarial experimentada pelos servidores federais durante os dois diferentes governos, comparativamente com a inflação de cada período, os dados são ainda mais gritantes!

Veja-se, por exemplo, a Carreira do Seguro Social, aplicável aos servidores do INSS³:

a) tomando-se o Cargo de Analista do Seguro Social, percebemos que partiu de uma remuneração de R$ 2.021,85 (dois mil, vinte e um reais e oitenta e cinco centavos), em janeiro de 2003, no início do Governo Lula, para uma remuneração de R$ 12.376,39 (doze mil, trezentos e setenta e seis reais e trinta e nove centavos) em agosto de 2016, final do Governo Dilma, experimentando uma variação de cerca de 512% (quinhentos e doze inteiros por cento);

b) tomando-se o cargo de Técnico do Seguro Social, percebemos que partiu de uma remuneração de R$ 1.218,44 (um mil, duzentos e dezoito reais e quarenta e quatro centavos, em janeiro de 2003, no início do Governo Lula, para uma remuneração de R$ 8.640,77 (oito mil, seiscentos e quarenta reais e setenta e sete centavos) em agosto de 2016, final do Governo Dilma, experimentando uma variação de cerca de 609,16% (seiscentos e nove inteiros e dezesseis décimos por cento).

Para termos uma ideia da grandeza desses números, basta lembrar que a inflação medida pelo IBGE – Conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – , relativa ao período entre janeiro de 2003 e agosto de 2016, ficou em 134,20% (cento e trinta e quatro inteiros e vinte décimos por cento), o que implica dizer que no período em análise os Analistas e os Técnicos do Seguro Social tiveram ganho real de remuneração diante da inflação, recuperando perdas experimentadas antes de 2003.

O Gráfico abaixo demonstra esses números e forma esquemática, permitindo uma melhor visualização das realidades em comparação, ou seja, um crescimento real de remuneração entre 2003 e 2016 (acima da inflação, portanto), e um congelamento salarial entre 2019 e 2022, gerando uma defasagem de mais de 27% (vinte e sete inteiros por cento):

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Outro relevante exemplo vem da Carreira da Previdência, da Saúde e do Trabalho (CPST, ou Seguridade Social) e do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo, que alcançam, respectivamente, os servidores do Ministério da Saúde (ex-INAMPS), do Ministério do Trabalho, e da FUNASA, de um lado, e os servidores vinculados a outros órgãos e entidades da administração federal, não organizados em carreira.

Pois bem, tomando-se os cargos de Nível Superior, percebemos que suas remunerações partiu de R$ 1.961,61 (um mil, novecentos e sessenta e um reais e sessenta e um centavos), em janeiro de 2003, no início do Governo Lula, para uma remuneração de R$ 8.478,02 (oito mil, quatrocentos e setenta e oito reais e dois centavos) em agosto de 2016, final do Governo Dilma, experimentando uma variação de cerca de 332% (trezentos e trinta e dois inteiros por cento).

Já tomando-se os cargos de Nível Intermediário, percebemos que estes partira de uma remuneração de R$ 1.161,58 (um mil, cento e sessenta e um reais e cinquenta e oito centavos), em janeiro de 2003, no início do Governo Lula, para uma remuneração de R$ 4.288,95 (quatro mil, duzentos e oitenta e oito reais e noventa e cinco centavos) em agosto de 2016, final do Governo Dilma, experimentando uma variação de cerca de 269,23% (duzentos e sessenta e nove inteiros e vinte e três décimos por cento), em ambos os casos para uma inflação que vimos anteriormente haver sido de 134,20% (cento e trinta e quatro inteiros e vinte décimos por cento), no mesmo período.

No Gráfico abaixo é possível demonstrar esses números de forma esquemática, permitindo verificar uma melhor visualização das realidades em comparação, ou seja, um crescimento real de remuneração entre 2003 e 2016, e um congelamento salarial entre 2019 e 2022, gerando também nestes casos uma defasagem de mais de 27% (vinte e sete inteiros por cento):

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Os números acima podem ser confirmados pela simples verificação das informações constantes da Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais, editada pelo Governo Federal e disponível aqui.

Como se percebe com clareza meridiana, é gritante a diferença de tratamento dispensado pelos Governos Lula e Bolsonaro aos servidores federais, o que reflete, à toda evidência, as diferentes visões sobre a valorização dos serviços públicos e dos seus servidores.

O mais grave, entretanto, é que o quadro caótico vivenciado nesses quase 4 (quatro) anos de Governo Bolsonaro deve piorar sensivelmente se o atual Presidente for reeleito, na medida em que não só terá sólida maioria no Congresso Nacional, resultante das ultimas eleições parlamentares, como lhe caberá a indicação de 4 (quatro) novos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos próximos 4 (quatro) anos, os quais virão se juntar aos 2 (dois) que já foram indicados por ele, formando assim a maioria do STF.

Ou seja, Bolsonaro terá maioria para fazer o que quiser com o Serviço Público e seus servidores, sem que os prejudicados tenham sequer o Supremo Tribunal Federal para tentar barrar medidas que afrontem os direitos adquiridos e a Constituição!

Nesse sentido veja-se a declaração feita por Arthur Lira, Presidente da Câmara dos Deputados, no último dia 3 de outubro, – e que repercutimos no site da FENASPS – quando o principal aliado de Bolsonaro afirmou que aguarda o desfecho das eleições presidenciais para dar andamento à “Reforma Administrativa”, que o atual Presidente da República enviou ao Congresso em 2020 por meio da PEC nº 32/2020.

Esta PEC, vale ressaltar, prevê, dentre outras coisas, o fim do Regime Jurídico Único (RJU) de admissão de servidores federais (Lei nº 8.112, de 1990); o fim da estabilidade nos cargos públicos; a possibilidade de demissão por insuficiência de desempenho; o fim da paridade entre ativos, aposentados e pensionistas; e o aprofundamento das formas de contratação temporária e precária de servidores públicos, irmã gêmea da privatização dos serviços públicos.

Para alcançar tudo isso, não devemos ter dúvidas de que Bolsonaro, se for eleito, não hesitará em adotar medidas que impeçam movimentos de resistência por parte dos servidores públicos e demais trabalhadores, muito provavelmente apresentando ao Congresso Nacional (então sob seu controle), uma proposta de Emenda Constitucional que acabe com os direitos dos servidores à sindicalização e à greve. E tudo, reitere-se, sem qualquer possibilidade de questionamento junto ao Supremo Tribunal Federal, uma vez que também lá a maioria dos Ministros terá sido por ele indicada.

Por fim, é imperioso ressaltar que a possibilidade de vitória de Bolsonaro no Segundo Turno das eleições presidenciais implicará no recrudescimento da violência em nosso País, seja na cidade ou no campo, mercê do desenfreado armamento da população (que ele incentiva abertamente); do absurdo incentivo ao desmatamento da Amazônia e à invasão de terras indígenas para o manejo ilegal do garimpo (que cresceram vertiginosamente em seu governo); dos ideais fascistas que vão se aprofundando em parte da sociedade brasileira, em detrimento das instituições democráticas erguidas pela Carta de 1988; e da truculência política e militar que certamente marcará as relações do Governo com os movimentos sociais, aí incluídos os servidores públicos.

Regrediremos ao período anterior à Constituição de 1988!

Lula e Bolsonaro: uma escolha nada difícil aos servidores(as) públicos(as) (charge: Latuff)

Diante disso, não resta alternativa que não a de apoiar firmemente a candidatura de Lula no Segundo Turno, e conclamar cada servidor público federal, estadual e municipal, assim como os demais trabalhadores, a meditarem seriamente sobre as questões suscitadas nesse pequeno artigo, se possível tomando-as por base para formar a sua convicção sobre a decisão que haverão de tomar no dia 30 de outubro.

É de sobrevivência que estamos falando!

Num quadro como esse não se trata simplesmente de escolher entre um e outro candidato, mas de decidir se queremos construir a civilização, a democracia, o desenvolvimento social e um serviço público de qualidade, ou se daremos chance à violência, ao preconceito, ao desprezo pela vida e pelas pessoas, à barbárie e ao fascismo.

____________________

¹A PEC nº 6/2019 acabou gerando a Emenda Constitucional nº 103, de 2019, mas durante a tramitação no Congresso a pressão das entidades sindicais conseguiu excluir do texto a proposta de privatização da Previdência, como havia sido originalmente proposto pelo Governo Bolsonaro. Texto da proposta original disponível aqui.

²Como a vigilância sanitária, com a ANVISA; a fiscalização de produtos de origem animal e vegetal, com o MAPA; a fiscalização do trabalho, inclusive escravo, com o Ministério do Trabalho e Previdência; etc.

³Foram consideradas as remunerações relativas a servidores localizados na última referencia de cada cargo, com jornada de 40 horas e GDASS de 100 pontos.

⁴Considerados servidores posicionados na última referência de cada nível de escolaridade, com GDPST de 100 pontos e GDPGPE de 100 pontos.


*Artigo escrito por Luís Fernando Silva, da Assessoria Jurídica da Nacional (AJN) da FENASPS, advogado integrante do Escritório SLPG Advogados Associados, com sede em Florianópolis. Silva é ainda membro do Conselho Consultivo da Associação Americana de Juristas – Rama Brasil e Pesquisador-Colaborador da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).

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