Mulheres, especialmente as negras, são as maiores vítimas sociais da Covid-19
Desde a pandemia da gripe espanhola, que afligiu o mundo em 1918 e 1919, há mais de cem anos, portanto, a humanidade não vivia um momento como o de hoje. As relações pessoais, informais e no mundo de trabalho foram dramaticamente afetadas pela pandemia de Covid-19, cujo fim foi vislumbrado pela ciência apenas com uma vacina para a doença.
Por outro lado, a pandemia acabou por evidenciar os abismos raciais e de gênero no país, já profundamente marcado pelo patriarcalismo e pela instauração de um regime escravocrata que perdurou por mais de três séculos. As desigualdades entre homens e mulheres, e entre brancos e negros, das principais características sociais do país, ficaram ainda mais expostas aos olhos de todos e todas.
Nos últimos quatro meses, houve uma escalada no número de casos de violência contra a mulher, cujos algozes são, predominantemente, os próprios maridos e companheiros, ou mesmo pais e irmãos.
O Ligue 180 registrou um aumento de 36% neste número, e apenas em relação aos dados de abril deste ano em comparação com o mesmo mês de 2019. Ainda que alarmantes, esses dados infelizmente ainda não são fiéis à realidade, já que há um outro tipo de subnotificação: não a da Covid-19, mas a das denúncias.
As mulheres, que em condições normais, já possuem receio de comunicar casos de violência, diante do medo e das condições sociais do país. Na pandemia, transparece uma assustadora realidade: muitas mulheres passaram a conviver diuturnamente com seus agressores, sem sequer poder sair de suas próprias casas ou denunciar aos órgãos de defesa.
O Instituto de Pesquisas do Senado apontou que 21% das vítimas de violência doméstica não procuram ajuda, e os principais motivos relatados para isso são a preocupação com as crianças, o medo da vingança do agressor, a crença de que o episódio seria o último, a descrenças nas consequências legais, a vergonha e o medo da separação.
Uma das sugestões para enfrentar o problema do silêncio foi uma campanha lançada em que, para pedir socorro, basta escrever um xis na mão, de batom ou caneta, e apresentar em farmácias em todo o país. É forma discreta de denunciar que está em perigo. Lamentavelmente é apenas uma solução paliativa: o problema da violência deve ser combatido em todas as esferas, e o patriarcado deve ser contraposto.
IBGE: pandemia afasta mais mulheres que homens
Se já não é novidade que as mulheres são pior remuneradas que os homens – dados do Dieese de 2019 mostram que uma mulher negra recebe menos da metade do que um homem branco –, durante a pandemia de Covid-19 18% delas está afastada do mercado de trabalho formal, enquanto entre a parcela de homens desempregados se manteve em 11%, segundo o IBGE.
Para o IBGE, o percentual elevado de afastamento das trabalhadoras domésticas ajuda a explicar a diferença. Mas os números são frios e estatísticas não são o suficiente para elucidar a realidade concreta.
Afinal, durante a pandemia também ficou ainda mais comprovado que as mulheres sofrem mais com duplas e triplas jornadas, mesmo em um momento em que os homens estão mais em casa devido ao teletrabalho imposto pelo isolamento social. Esta sobrecarga de trabalho não é à toa: 70% da mão de obra do setor de Saúde (o mais atingido pela pandemia) é composta por profissionais do sexo feminino, como indica um estudo da Fiocruz. Portanto, as mulheres são maioria na linha de frente contra a Covid-19.
No INSS, as mulheres são maioria absoluta. Em documento de 2015, quando a autarquia possuía 37 mil servidores(as) – hoje estima-se que mais de 15 mil trabalhadores(as) tenham se aposentado desde então – elas representavam 55% do total da força de trabalho.
Quando se argumenta que a produtividade na autarquia aumentou depois que foi adotado o teletrabalho emergencial diante do risco de saúde com a abertura das agências do INSS, já que o estoque de processos represados reduziu substancialmente, é preciso considerar que muitas servidoras estiveram progressivamente mais expostas a jornadas duplas e triplas. E mesmo assim, mantiveram o excelente trabalho.
Resistir é preciso
25 de julho é marcado pelo Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha, data reconhecida desde 1992 pela ONU, após a realização do primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, em Santo Domingo, República Dominicana. Na América Latina e no Caribe, 200 milhões de pessoas se identificam como afrodescendentes, de acordo com a Associação Mujeres Afro. No país, 25 de julho também é Dia Nacional de Tereza de Benguela. “Rainha Tereza”, como ficou conhecida em seu tempo, liderou o Quilombo de Quariterê, no século XVIII no Vale do Guaporé, atual Mato Grosso. Saiba mais aqui sobre ela.
A data, portanto, carrega um enorme simbolismo, assim como o 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, e o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, no Brasil. Embora importante, o simbolismo precisa ser levado às ações práticas.
É preciso resistir ao patriarcalismo, ao machismo, ao sexismo, ao racismo, à homofobia. Seja nas pequenas ações, seja em grandes mobilizações. O mundo está cada vez mais atento a questões raciais, em especial após o covarde assassinato de George Floyd nos Estados Unidos da América, que gerou grande revolta popular naquele país, e de lá se espalhando pelo mundo.
A luta social é essencial e necessária ferramenta para as mudanças na nossa sociedade. Parafraseando Rosa de Luxemburgo, somente com luta é possível construirmos um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.
Viva Tereza de Benguela! Viva a mulher negra!
Diretoria Colegiada da FENASPS
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