Em processo histórico, pela primeira vez ex- presidente e generais são condenados por tentativa de golpe de estado

Condenação de Bolsonaro é um fato histórico, mas ainda há muito o que avançar
“Os fascistas do futuro não vão ter aquele estereótipo de Hittler ou Mussolini. Não vão ter aquele jeito militar durão. Vão ser homens falando tudo aquilo que a maioria quer ouvir. Sobre bondade, família bons costumes, religião e ética. Nessa hora vai surgir o novo demônio, e tão poucos vão perceber a história se repetindo” – Saramago.
Após quase 3 anos da derrota eleitoral e mais de 2 anos após a tentativa de um golpe de estado em 08/01/2023, Bolsonaro e mais 7 réus no núcleo dirigente da trama golpista foram condenados pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do estado democrático de direito, organização criminosa armada, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado com o uso de violência e grave ameaça. Em um país, onde sua burguesia aplicou sucessivos golpes preventivos para conter os avanços da classe trabalhadora, essa mesma justiça burguesa sacramenta o estado democrático de direito, numa decisão histórica e sem precedentes. Sem dúvida a condenação de Bolsonaro e seus cúmplices representa um passo importante para frear o processo de avanço do fascismo na sua forma contemporânea, é uma vitória importante dentro da ordem institucional.
Porém, Bolsonaro e seus asseclas não foram condenados pelos crimes que cometeram contra a humanidade, não foram condenados pela política de genocídio implementada durante a pandemia da Covid-19 que matou mais de 700 mil pessoas no Brasil (em números oficiais), o 2º país em número de mortos, mesmo sendo o sétimo país mais populoso do mundo e possuir um sistema público de saúde universal e gratuito. A morte de idosos por Covid foi alarmante, além de deixar mais de 5 milhões de pessoas sem renda. A política de extermínio, alinhada com lógica fiscal do neoliberalismo, levou inclusive a aliada do então Ministro da Economia Paulo Guedes, Solange Vieira, a afirmar que a concentração da doença principalmente em idosos poderia ser positiva para as contas da previdência (https://www.estadao.com.br/economia/morte-de-idosos-por-covid-19-melhora-contas-da-previdencia-teria-dito-chefe-da-susep/).
Bolsonaro também não foi condenado pelo fato de ter realizado um dos maiores ataques contra a previdência do Brasil, com a EC-103/2019. Reforma esta, que condenou boa parte da classe trabalhadora a morrer sem ter acesso a aposentadoria, condenou os pensionistas e terem uma redução de 40% da sua renda, condenou às mulheres ao aumento da idade mínima para aposentadoria. Retirou em grande parte o reconhecimento do tempo de serviço especial. Além dos ataques conta o BPC, à política de assistência e as fraudes nas aposentadorias que agora vêm à tona. Bolsonaro não foi condenado por isso, pois este ataque frontal contra direitos históricos da classe trabalhadora se deu dentro da regra do jogo do estado democrático de direito, dentro das “quatro linhas”. Quando se trata de atacar a classe trabalhadora, os 3 poderes estão definitivamente alinhados.
Tampouco houve condenação de Bolsonaro pela política de colocar a “granada no bolso” dos servidores públicos, da política de arrocho salarial e de endividamento, tampouco por ter acabado com a jornada de trabalho 6 hs e o regime de turnos no INSS após quase 40 anos, sem nenhum tipo de contrapartida financeira. Muito menos por ter obrigado os servidores do INSS a abrirem as agências no auge da pandemia sem as menores condições. E muito menos por ter dado início a uma política de metas de produtividade, que tem levado os trabalhadores ao adoecimento em massa e à morte.
Não houve condenação pelo fato de ter exposto milhares de trabalhadores da saúde a condições de trabalho perigosas sem EPIs adequados que protegessem da contaminação por COVID. Mais de 4500 profissionais de saúde literalmente entregaram suas vidas para enfrentar a pandemia da COVID -19, a despeito de um governo que negou a existência da doença, sabotou a vacinação e fez chacota dos doentes e dos mortos. Destes, cerca de 80% era mulheres e a maioria, 70%, auxiliares e técnicos de enfermagem que lidavam diretamente no cuidado com os doentes, além de terem as piores condições de trabalho e piores salários. Não, Bolsonaro não foi condenado por isso.
Sem contar ainda a tentativa de impor uma reforma administrativa, a PEC 32, que transformaria o Serviço Público em terra arrasada. Reforma esta que volta à tona com o centrão e a extrema direita no Congresso Nacional.
Também não houve condenação pela política do governo Bolsonaro de destruição do meio ambiente e por “passar a boiada”. Todos lembram os incêndios no Pantanal e na Amazônia no ano de 2020, cuja fumaça chegou a atingir as regiões Sul e Sudestes do país, escurecendo o sol. Os incêndios devastaram 30% do bioma do Pantanal, sendo o pior da história.
Bolsonaro não foi condenado pelo aumento de mais de 90% do garimpo criminoso em terras indígenas e áreas de proteção ambiental. O garimpo criminoso está diretamente relacionado ao genocídio da etnia yanomami. Segundo a BBC o número de mortes por desnutrição aumentou em 331% durante o governo Bolsonaro, com a divulgação de imagens que remetiam diretamente aos prisioneiros dos campos de concentração.
Bolsonaro não foi condenado por nada disso. Sem dúvida a condenação pela tentativa de golpe de estado para se perpetuar no poder e impor um estado fascista é uma importante vitória que deve ser comemorada. Porém, o que salta aos olhos é que enquanto o judiciário garante a estabilidade da ordem burguesa institucional, o Congresso Nacional, dominado pela extrema direita, trabalha incansavelmente para anistiar os criminosos do 08/01. Ou seja, não se conseguiu dar uma resposta que fosse no campo político, onde em outros golpes o Congresso seria imediatamente fechado, o que há de novo, é um congresso pró-golpe e um judiciário que toma frente para condenar o golpismo, diante da incapacidade política de se realizar o enfrentamento, seja no congresso ou nas organizações da classe trabalhadora.
E não se contentando em destruir o país durante o seu Governo, os filhos do ex-presidente não se constrangeram em assumir o papel de traidores. Aqueles que se diziam “patriotas” foram ainda se socorrer no imperialismo estado-unidense para tentar livrar seu pai das condenações e aplaudiram a imposição de tarifas que poderiam gerar caos econômico, desemprego e ampliar a miséria no Brasil.
A derrota eleitoral de Bolsonaro e sua condenação judicial são passos importantes, mas os fascistas de fala mansa, de discurso religioso falacioso, os cidadãos de bem, defensores da família continuam mais vivos do que nunca, criando uma grande cortina de fumaça para imporem mais ataques e retiradas de direitos e impedir qualquer mobilização da classe trabalhadora.
O fascismo nunca tira férias, cabendo à classe trabalhadora estar atenta, mobilizada e fortalecer seus instrumentos de luta.
Para isso, é preciso que os trabalhadores estejam unidos contra todos que tentam retirar direitos ou ignorar o histórico de lutas de toda classe, inclusive no atual governo.
Governos entram e saem, mas a vigília e o alerta da classe trabalhadora devem ser constante para todos: Fascistas não passarão. Traidores do legado de nossas lutas não passarão. A vitória de hoje deve refletir no endurecimento e na força de nossas convicções contra todos(as) que usam do Estado para consolidar as políticas neoliberais em conluio com a burguesia de nosso país. A guerra é de classes e isso jamais pode ser esquecido. Cabe a nós portanto, constantemente lembrar aos poderes constituídos a nossa força.