Transfobia, não! Professora do IFCE é demitida em processo irregular
A Diretoria Colegiada da FENASPS manifesta repúdio à decisão do reitor substituto do Instituto Federal do Ceará (IFCE) que demitiu irregularmente a professora Êmy Virgínia Oliveira da Costa (foto acima). A educadora é a primeira mulher trans a assumir um cargo de docência no IFCE, e esta demissão, segundo nota publicada pelo sindicato dos servidores do órgão (Sindsifce) demonstra que a inclusão, o respeito à diversidade sexual e a igualdade de gênero são utilizadas pela Reitoria apenas para ‘cumprir cota’ no instituto, assim como em vários locais de trabalho no Serviço Público.
O sindicato da categoria informou ainda que seu setor Jurídico dará ampla prioridade para buscar a anulação do efeito da decisão. Já o sindicato nacional dos(as) docentes em Institutos Federais, o Sinasefe, se empenhará para buscar todos os dispositivos necessários à reversão deste grave dano causado pela Reitoria do IFCE a uma de suas servidoras.
Êmy Virgínia Oliveira da Costa nasceu em Alto Santo, numa comunidade rural do interior do Ceará, vindo de uma família de agricultores. Foi a primeira da família a entrar na Universidade.
Formou-se em Letras, cursou Especialização em Estudos Culturais e Mestrado em Linguística, dividindo-se entre trabalhar e estudar. No ano em que ingressou na faculdade, passou no seu primeiro concurso público, em 2006, e daí não parou mais de trabalhar e estudar, até entrar no IFCE, em 2016.
Em 2019, passou na seleção para o Doutorado em Linguística na Universidad de la República, única universidade pública do Uruguai, interrompendo-o por conta dos obstáculos impostos pelo IFCE ao seu afastamento periódico do campus, um PAD que resultou em sua demissão.
Processo irregular
O Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que foi aberto quando a professora ainda lecionava no campus Tianguá/CE e gerou a orientação para demissão da servidora, decorreu do fato de que a docente realizou antecipação das aulas para seus alunos, com intuito de frequentar as aulas do seu curso de Doutorado em Linguística, na Universidad de la República, no Uruguai – única Universidade pública deste país – enquanto aguardava o período de solicitação do afastamento para capacitação.
Além de antepor todas as aulas, a professora Êmy já havia solicitado autorização para adequar, provisoriamente, suas atividades de trabalho e de estudos, pedido que foi deferido pelo seu Colegiado de curso, bem como devidamente comunicado e autorizado pela coordenação de curso.
Para frequentar mais um período de aulas, seguindo os procedimentos já orientados e com anuência do Colegiado, a professora Êmy enviou novo pedido de autorização à Gestão para antecipar suas aulas e se ausentar do país.
Entretanto, o processo não foi respondido (nem autorizado e nem negado) pela instituição a tempo da data da viagem, o que criou a justa expectativa de que a docente poderia dar continuidade aos seus estudos se ausentando, desde que cumprisse seu compromisso como servidora, antecipando as aulas – o que a professora vinha cumprindo prontamente.
Essa solicitação somente obteve resposta dois anos depois, por incitação da própria Comissão responsável pelo Processo Administrativo (PAD).
Ainda que a professora Êmy tenha registrado em seus Diários e no Sistema de Informação do IFCE todas as aulas ministradas e manter, cotidianamente, contato com demais docentes do curso e estudantes – que, por sinal, tiveram contabilizadas as respectivas cargas horárias e foram promovidos em suas disciplinas – a gestão do IFCE, ignorando a própria responsabilidade da instituição nos equívocos e irregularidades administrativas, optou por abrir o Processo Administrativo Disciplinar contra a servidora, o que lhe causou gravíssimo adoecimento psíquico e a obrigou a desistir do curso de Doutorado.
O Sindsifce ressalta ainda em sua nota que, não bastasse a desproporcionalidade e as irregularidades do caso, agora, a Reitoria do IFCE decidiu que Êmy não deve mais ser servidora pública, após quase 20 anos de dedicação à educação pública – mais de sete deles apenas no IFCE.
Transfobia é crime
Para além das inúmeras irregularidades do Processo e da exacerbada decisão, o sindicato da categoria elencou alguns fatos que servem de ajudam a ilustrar o cenário da demissão da professora Êmy:
- A professora não foi tratada de forma isonômica, visto que inúmeros são os casos semelhantes, de amplo conhecimento, no IFCE;
- O caso tem cunho transfóbico, afinal a professora, desde sua entrada na instituição é vítima de assédios e perseguições;
- A gestão do IFCE torna a própria instituição a principal causa do adoecimento generalizado entre os seus servidores;
- O IFCE tem o assédio e o autoritarismo seu principal método de gestão.
Em um país onde pessoas trans dificilmente têm acesso a educação e trabalho digno, o que diz o IFCE ao retirar uma mulher trans do espaço da docência? Como se posiciona a instituição, diante das inúmeras violências sofridas por pessoas trans e travestis, ao retirar a professora Êmy da sala de aula, após toda sua árdua trajetória?
Ressaltamos que a transfobia é crime, e em decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi estendido o entendimento de equiparação à injúria racial. A FENASPS manifesta seu total repúdio à decisão do reitor substituto e exige a anulação da demissão e por justiça para a professora Êmy Virgínia.
Campanha
Além da FENASPS, diversas entidades sindicais, movimentos sociais e partidos políticos se manifestaram contra a demissão da professora. O sindicato está organizando a campanha “Professora Emy Fica“, que já conta com mais de mil seguidores no Instagram.
Ainda, foram criados formulários para que as entidades demonstrem apoio (clique aqui) e as pessoas físicas assinem um abaixo-assinado pela anulação da demissão.
Para entrar em contato com os organizadores da campanha, envie um e-mail para: professoraemyfica@gmail.com
LGBTFóbicos não passarão!