Fenasps

quarta-feira, 21/07/2021

FENASPS esclarece os retrocessos trazidos pela Lei nº 14.176/2021. Confira nota conjunta da Fenasps e Cfess!

Divulgada pelo governo como “um avanço no acesso ao BPC”, nova lei na verdade dificulta ainda mais o recebimento do benefício (arte: Pedro Mesidor/FENASPS)

No último dia 22 de junho, foi sancionada a Lei nº 14.176, que traz importantes alterações na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) no que diz respeito aos critérios de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), direcionado para pessoas com deficiência e idosas com mais de 65 anos com baixa renda familiar.

Apesar das alterações legais na LOAS terem sido divulgadas pelo governo federal como avanços no acesso aos direitos ao BPC, na realidade as alterações trazem em si mecanismos ainda mais burocratizantes que dificultam o acesso ao benefício, bem como impõem uma restrição no critério de excepcionalidade relacionado à renda familiar e cerceiam a participação do Serviço Social do INSS no processo de reconhecimento do direito.

A ampliação do critério de renda para meio salário-mínimo é UMA FARSA!

A alteração do critério de renda para acesso ao BPC que supostamente possibilitaria a ampliação deste critério para até ½ salário-mínimo per capita (R$550,00) é uma FARSA. Na realidade, a lei altera na perspectiva restritiva a análise atual com base na ACP nº 5044874-22.2013.4.04.7100/RS, considerando que antes não havia o teto de ½ salário-mínimo, ao comprovar o comprometimento de renda com gastos com a saúde e idade avançada, possibilitando administrativamente o acesso ao benefício às famílias com renda per capita superior.

O que a lei nº 14.176/2021 estabelece é que, a partir de 2022, a análise do comprometimento de renda ficará limitada a ½ salário-mínimo, revogando a Ação Civil Pública que garante a análise atual.

Além disso, a lei impõe mais critérios para a concessão do benefício para famílias com renda apenas até ½ salário-mínimo, uma vez que os idosos terão que comprovar também a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas e as pessoas com deficiência precisarão comprovar o grau de deficiência. Em que pese ainda não ter sido regulamentado como serão realizadas essas análises, fica evidente a burocratização e a restrição de acesso ao benefício.

Governo pretende realizar revisões em grande escala no BPC

Ainda, as alterações trazidas pela lei 14.176 não poupam nem mesmo os beneficiários que já tiveram o BPC concedido antes de sua publicação, uma vez que estabelece a possibilidade de revisão dos benefícios concedidos, através desses novos critérios mais restritivos, independentemente se a concessão foi administrativa, através da Ação Civil Pública nº 5044874-22.2013.404.710 (RS) de 2016, ou concessão pela via judicial, o que na prática significa a possibilidade de cessação em massa de benefícios já concedidos, ação que já vem sendo executada pelo INSS enquanto política de corte de “gastos” e que não poupou os beneficiários do BPC nem mesmo durante a pandemia ao promover a suspensão de milhares de benefícios assistenciais de caráter alimentar num dos momentos mais delicados para a classe trabalhadora brasileira.

Essas alterações retiram a participação do Serviço Social no reconhecimento de direito ao BPC, explicitado na legislação mediante a extinção do uso do instrumental do parecer social para ampliação do direito ao BPC para famílias com renda per capta superior ao critério de renda legal, mas não para por aí.

Lei 14.176/2021 desrespeita o Pacto Internacional com a ONU

O INSS pretende ainda alterar o modelo de avaliação biopsicossocial previsto na Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência ferindo o pacto Internacional com a Organização das Nações Unidas (ONU), importante conquista do movimento de pessoas com deficiência, que resultou concretamente na ampliação do acesso ao direito ao BPC para milhares de pessoas após sua implementação, em substituição ao modelo biomédico utilizado anteriormente.

Na prática, o requerente do benefício passaria obrigatoriamente apenas por uma avaliação médico-pericial e somente a depender do parecer emitido por essa avaliação o(a) usuário(a) poderia ter acesso à avaliação social realizada pelos(as) assistentes sociais do INSS, havendo também a previsão da avaliação social ser substituída por uma avaliação automatizada, operada por fatores médios criados arbitrariamente pelo governo em substituição a uma avaliação qualificada que de fato considere os critérios sociais da deficiência, ou seja, não será considerada as inúmeras barreiras enfrentadas pela pessoa com deficiência.

Isto significa objetivamente a instituição do Ato Médico no reconhecimento do direito ao BPC e o regresso do modelo biomédico, em que os critérios de estrutura e funcionamento do corpo terão prevalência em relação aos demais, o que certamente restringirá o acesso das pessoas com deficiência ao benefício, retornando aos patamares anteriores à implementação do instrumental atual baseado na Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), historicamente reivindicado pelo movimento de pessoas com deficiência.

Ainda na contramão da ampliação dos direitos às pessoas com deficiência, a referida lei vai de encontro ao previsto na Lei Brasileira de Inclusão e no Estatuto da Pessoa com Deficiência em relação à instituição do instrumento único de avaliação da pessoa com deficiência – IFBr-M (Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado) – a ser utilizado na avaliação de todas as políticas para pessoas com deficiência, que já existe e foi construído arduamente com participação de universidades e referendado pelo Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CONADE). Apesar de citado pela lei 14.176/2021, o IFBr-M não será utilizado na análise do BPC e cuja implantação vêm sendo impedida pelo governo.

Governo impõe a teleavaliação social ampliando as barreiras de acesso ao BPC

Por fim, sob o pretexto de tornar o processo de reconhecimento de direito ao BPC menos moroso, o INSS tenta implementar a teleavaliação social em substituição à avaliação social presencial.

A avaliação social presencial é uma análise aprofundada sobre determinada doença/deficiência de uma pessoa dentro de um contexto social e econômico. No atendimento realizado pelo Serviço Social, vários aspectos são avaliados: discriminação e preconceito vividos, situação familiar, acesso (ou não) a serviços, impactos/dificuldades no cotidiano. Abordar esses assuntos requer privacidade, o que é impossível de ser garantido em um atendimento remoto, já que não ocorrerá no espaço adequado, como em uma sala com portas fechadas. O sigilo profissional no âmbito de atuação do(a) Assistente Social tem por objeto a preservação da intimidade dos(as) usuários(as) e é ato necessário à preservação do vínculo de confiança estabelecido entre o profissional e o/a usuário/a.

Para além das implicações éticas e técnicas ao exercício do trabalho profissional do(a) assistente social, é de amplo conhecimento da instituição a imensa dificuldade de acesso do público requerente do BPC às tecnologias de informação e comunicação, traduzidas sob a dificuldade no manuseio das mesmas e na obstrução do acesso aos recursos materiais e tecnológicos necessários. Disto resulta o grande número de indeferimentos de benefícios por faltas em atendimentos ou não apresentação de documentos, que os usuários muitas vezes desconhecem por falta de acesso.

Diante disso, fica evidente que a teleavaliação social não servirá para diminuir o tempo de análise do benefício, mas sim para reduzir o acervo de benefícios em análise através do aumento de indeferimentos, haja vista a impossibilidade de parcela significativa da população brasileira e dos requerentes de BPC de terem acesso aos meios necessários para viabilizar a tele avaliação social, além da preocupante falta de sigilo e exposição das situações de vida dessas pessoas que esta forma de avaliação impõe.

É importante apontar ainda que a publicação da Portaria nº 1.328 de 12/07/2021, que estabelece o projeto-piloto das teleavaliações sociais, apesar de indicar que os requerentes devam ser atendidos nesta fase inicial no espaço físico das agências do INSS que supostamente garantiriam “quesitos tecnológicos adequados à garantia do sigilo profissional”, escamoteia o interesse do governo de ampliar que o atendimento das teleavaliações sociais sejam ampliados para “as dependências de entidades parceiras” o que inviabilizaria a garantia do sigilo do atendimento, tendo em vista que sabidamente são poucas as Agências da Previdência Social que contam com infraestrutura tecnológica e apoio técnico necessários para a aplicação desta forma de avaliação.

Transferir os atendimentos para as “entidades parceiras” é o grande objetivo do governo com a imposição da teleavaliação social, posteriormente materializar o projeto da reestruturação já propagado pelo presidente do INSS, que tem como foco principal a extinção das Agências de Previdência Social, ou seja, a (des)estruturação total do INSS.

Vale evidenciar que o cenário de (des)responsabilização do INSS na realização de atendimento à população com a ampliação das tecnologias, tem direcionado a população para as políticas de assistência social, saúde, dentre outras, sobrecarregando ainda mais essas unidades de atendimento, demonstrando o ataque geral do governo as políticas de Seguridade Social, além de milhares usuários(as) que pagam por serviços que deveriam ser realizados pelo Estado, ou seja, nas Agências de Previdência Social.

É hora de lutar!

Mediante o cenário de constante retirada de direitos da classe trabalhadora a FENASPS e seus sindicatos filiados conclamam a categoria dos(as) assistentes sociais inseridos(as) nas mais diversas políticas sociais à organização e articulação junto aos movimentos sociais, aos CRESS, movimentos sociais, conselhos de direitos, entidades sindicais, conselhos de classe, frentes nacionais/estaduais/municipais em defesa da Seguridade Social e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), parlamentares e toda a sociedade para construção de uma grande mobilização em defesa do BPC, do modelo social da avaliação da deficiência, do Serviço Social no INSS e das políticas de Seguridade Social.

Por fim, a FENASPS orienta aos(às) assistentes sociais no INSS, que em situações de assédio moral, impondo a realização de avaliações sociais por videoconferência que frontalmente ferem as condições éticas e técnicas do trabalho dos(as) assistentes sociais, que busquem imediatamente seus sindicatos para os devidos encaminhamentos de ações nos Estados.

Confira aqui a nota conjunta da Fenasps/Conasf com o Conselho Nacional de Serviço Social (Cfess).

Leia também o manifesto público em defesa do BPC, elaborado pelo Cfess.

Sem luta, não há conquista!

Seguiremos firmes na luta contra qualquer retrocesso de direitos!

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