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sexta-feira, 18/06/2021

Perito médico defensor da cloroquina que depôs em CPI é investigado no INSS

Indicado pelo governo para falar nesta sexta-feira, 18 de junho, na CPI da Covid a favor do chamado tratamento precoce, o infectologista e perito médico federal Francisco Cardoso Alves é investigado pelo INSS e pelo Ministério da Economia por suspeita de irregularidades no recebimento de auxílio-doença entre 2019 e 2021.

Confira aqui abaixo a íntegra do depoimento:

https://www.youtube.com/watch?v=Xg8ottHwxfM

Neste período, ele manteve intensa atividade de divulgação dos remédios sem eficácia comprovada contra a Covid, inclusive com a participação em encontros com médicos suspeitos de integrarem o chamado “gabinete paralelo”, grupo crítico a vacinas e favorável ao tratamento precoce que estaria assessorando de maneira informal a gestão Bolsonaro na pandemia.

Com 86 mil seguidores no Instagram, Cardoso ficou famoso nas redes sociais ao defender alguns remédios ineficazes contra a covid, como cloroquina e ivermectina, e apoiar Jair Bolsonaro. Sua foto de capa do Facebook, por exemplo, é uma imagem ao lado do presidente.

Próximo a membros do ‘gabinete paralelo’, Francisco Cardoso teria recebido auxílio-doença por quase dois anos mesmo sem estar incapaz de exercer a profissão (foto: reprodução Facebook)

Apesar de propagandear protocolos de tratamentos para a doença, ele passou todo o ano de 2020 supostamente sem lidar com infectados após pedir afastamento do trabalho em 2019 por sequelas de um problema de saúde neurológico.

Mesmo tendo o salário como perito garantido (ele está licenciado do cargo por sua atividade na associação), ele deu entrada no auxílio no INSS na condição de médico autônomo alegando que sua doença não o permitiria trabalhar no atendimento a doentes.

Documentos obtidos por jornalistas envolvidos nesta matéria mostram que Cardoso teve o primeiro benefício concedido em abril de 2019, com duração de quatro meses. O auxílio, no valor de pouco mais de R$ 5 mil mensais, foi prorrogado por um ano, até setembro de 2020 – prática incomum no INSS, que costuma conceder benefícios por períodos mais curtos e exigir realização de novas perícias para verificar a necessidade da prorrogação.

Mesmo após o segundo vencimento do benefício, o médico voltou a entrar com a solicitação de nova renovação, mas, desta vez, teve o pedido negado. Ainda assim, ficou recebendo o pagamento até a realização da nova perícia, em fevereiro de 2021. Suas duas primeiras perícias, nas quais o benefício foi concedido, foram realizadas por uma servidora que ocupava um cargo de gestão e não costumava atender diretamente o público.

Durante o período que se dizia incapaz de exercer a profissão, porém, Cardoso teria atendido pacientes para prescrever o “tratamento precoce”, o que configura fraude no recebimento do benefício, pois ele não estava incapaz de trabalhar. Os atendimentos foram relatados pelo próprio infectologista em audiência online na Câmara dos Deputados, em maio de 2021.

No evento, ele disse ter atendido, desde o início da pandemia, mil doentes com covid. “Eu já tenho mais de mil casos tratados e três óbitos de pacientes”, citando dados que indicariam um suposto sucesso do tratamento precoce.

Enquanto estava de licença, Cardoso ainda participou de dezenas de eventos online, uma delas, em 21 de dezembro, com a presença de Bolsonaro e de médicos e empresários suspeitos de integrar o gabinete paralelo.

Em imagem publicada em seu instagram com os participantes do evento, é possível ver Bolsonaro ao lado de Luciano Hang, dono da Havan, além do empresário Carlos Wizard e de médicos conhecidos pela defesa do tratamento precoce, como Nise Yamaguchi e Lucy Kerr.

O evento foi chamado de ação empresarial no enfrentamento da covid-19. “Reunião hoje à noite com grupo de empresários e médicos dedicados a promover e divulgar o tratamento precoce, que contou com a honrosa participação do Presidente da República, Jair Bolsonaro”, escreveu Cardoso em sua página na rede social. O infectologista já declarou em suas redes ter sido um dos autores de nota publicada pelo Ministério da Saúde em agosto do ano passado recomendando cloroquina.

Cardoso é também próximo de Arthur Weintraub, ex-assessor da Presidência e apontado como articulador do gabinete paralelo. No último mês de abril, o infectologista foi nomeado assessor especial em biossegurança da Organização dos Estados Americanos (OEA), onde Weintraub é hoje secretário de segurança multidimensional.

Todas as incongruências entre os pedidos de auxílio por parte de Cardoso e a aparente manutenção de sua atuação profissional fizeram o INSS e o Ministério da Economia receberem denúncias e abrirem procedimentos internos para averiguar se Cardoso recebeu o auxílio-doença indevidamente e se usou sua influência dentro do setor de perícias médicas para conseguir as prorrogações do auxílio.

Em um dos procedimentos, no INSS, ele é investigado quanto à suspeita de fraude no recebimento do benefício em si – se comprovadas irregularidades, ele pode ser obrigado a devolver os valores recebidos. No outro procedimento, aberto na corregedoria do Ministério da Economia, a apuração é sobre suposto desvio de conduta dele enquanto servidor federal.

“Foi autuado processo para apuração de possíveis irregularidades. Caso fiquem comprovadas as irregularidades, em sede disciplinar, as penalidades legais previstas são de advertência, suspensão ou demissão”, informou o Ministério da Economia ao jornal O Estado de S. Paulo.

Procurado para comentar as investigações e seu envolvimento com o gabinete paralelo, Cardoso não retornou as ligações nem respondeu mensagens no Whatsapp. Em setembro de 2020, ele chegou a se justificar nas redes sociais por estar recebendo benefício do INSS.

Na ocasião, negou qualquer ilegalidade e disse que estava impedido de desempenhar seu ofício “em virtude do risco letal de infecção pela exposição a agentes biológicos presentes no hospital e no consultório”.

A lei nº 8.213/1991, que rege a concessão de benefícios previdenciários prevê, no entanto, que o auxílio-doença só deve ser concedido em caso de incapacidade e não como prevenção ao risco.

Além disso, se o próprio médico declarou ter atendido mais de mil pacientes durante a pandemia, ainda que de forma remota, por exemplo, para reduzir riscos, ele não estaria incapaz e, portanto, não poderia estar recebendo o benefício.

“O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade”, diz trecho da norma.

Infectologista é crítico do isolamento, mas foi contrário ao retorno dos peritos ao trabalho presencial

Francisco Cardoso foi ouvido, nesta sexta-feira, 18, na CPI da Covid na condição de especialista em infectologia. Seu depoimento foi sugerido pelos senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Jorginho Mello (PL-SC), da base governista, mas o requerimento protocolado por eles na CPI foi elaborado por uma servidora ligada à Secretaria de Governo da gestão Bolsonaro.

Além de apoiador do chamado tratamento precoce contra a covid, Cardoso é crítico de medidas de distanciamento social como o lockdown, mas, em sua atuação na entidade de classe dos peritos, se posicionou contra o retorno presencial dos profissionais durante a pandemia.

Ao longo dos últimos meses, o infectologista teve várias de suas postagens removidas pelo Instagram por promoverem “informações falsas e prejudiciais”.

Cardoso é médico concursado do Instituto Emílio Ribas de São Paulo, um dos centros de excelência em infectologia no País. Sua postura considerada negacionista constrangeu o corpo clínico do hospital.

Ele também ficou afastado de suas atividades na instituição por mais de dois anos, mas retornou ao trabalho na UTI em março deste ano, o que, segundo profissionais ouvidos por jornalistas do jornal, gerou desconforto entre a equipe assistencial.

Em julho de 2020, diante da postura vista como anticientífica do médico, o Emílio Ribas se manifestou publicamente. Em uma nota, o hospital afirmou que a posição de Cardoso “sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina não reflete a opinião do corpo clínico do hospital, tampouco os protocolos internos adotados na instituição“.

*Fonte: jornal O Estado de S. Paulo.

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